segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Em viver isolado

 

Pela manhã acordei, “cevei” meu “chimarrão”, parei para perceber o quão ingrato tenho sido em todos estes anos de minha vida. Deveria ser grato simplesmente pela minha existência, por meus membros superiores e inferiores me dando uma capacidade de locomoção perfeita. Olhos, boca, ouvidos, pele, nariz que dão sentidos capazes de perceber o ambiente ao meu redor ou o que vai ter de almoço. Pulmões que ao preencher a cavidade torácica inflando e esvaziando são capazes de nutrir meu organismo com oxigênio, liberando gás carbônico para harmonizar mais uma vez com o ambiente onde estou. Meus pés garantem uma pisada forte, sustentando meu corpo em qualquer das superfícies da natureza e me guiando por longos caminhos, atravessando rios, clareiras, matas ou a “Osvaldo aranha”, como diz a música. Mesmo portador de todas estas capacidades, mesmo com todos estes presentes que tornariam grato qualquer ser do universo, ainda sim sou humano e com freqüência reclamo do que me falta, das dificuldades de meu viver, dores nas costas, que tem escada, o sol é forte, muito frio hoje, está chovendo. Óh, ser humano, tão complexa é tua existência, podemos respirar o ar, mas não paramos para ver as árvores balançando suas folhas. Corremos, caminhamos, pulamos, porém nem admiramos as gramas verdejantes que se estendem ao nosso caminhar, não percebemos a beleza do topo da montanha.  Isso sem falar dos sentidos, meus olhos que não vem mais um pôr do sol capaz de calar seus expectadores, não ouvem mais os pássaros cantando ao amanhecer, nem tocam a relva molhada pelo sereno. Como é complexo este ser humano, vejam só quantas capacidades fantásticas recebemos do divino, universo, superioridade, entidade cósmica, cada um com seus nomes e crenças. Não estou doutrinando para nenhuma religião.

Com o passar do tempo percebo que adquirimos cada vez mais, o mais caro, o mais novo, o melhor. Celulares, computadores, automóveis, televisores, cafeteiras, móveis, imóveis, jóias, roupas e “likes”. A busca pelos objetos é incessante. Hoje o lançamento de um novo aparelho celular, amanhã, um foguete. Uma completa e descabida produção de eletrônicos, uma vida dependente de aparelhos, tudo armazenado em um aparelho celular que se for roubado ou perdido será, para alguns, mais doloroso que perder um parente, se bem que tem uns parentes que... melhor deixar pra lá, pode ser que estejam lendo.

A verdade é que trabalhamos mais a cada dia, porque precisamos, mais tempo no trânsito, porque precisamos, idas e vindas de lugar algum para lugar nenhum, porque precisamos. Caminhos em círculos, rotinas viciadas, trabalhar às oito, almoçar às doze, academia às dezoito, jantar às vinte, às vinte e trinta “NETFLIX”, televisão, exaustão, sofá. Outro dia a mesma coisa, porque precisamos, “FASTFOOD”, refrigerante, ”DELIVERY”, van escolar, despertador, tudo para otimizar o tempo, porque precisamos.

Seres vazios esses humanos, repletos de tudo e cheios de nada, conhecem o centro da cidade melhor que a própria casa, mas desconhecem o silêncio da natureza, não sentam a sombra de uma árvore frondosa, não repousam na grama olhando ao céu, nem sentem molhar a pele em um rio.

O cotidiano nos tornou individuais em um mundo coletivo, estranhos em suas próprias casas, estressados, sem tempo para nada, não repousam, nem relaxam, vivem em comunidade sem conhecer seus vizinhos, o nome do porteiro, sem a cordialidade do bom dia, sem a despedida do até logo. Os habitantes do mundo não se enclausuraram por medo de um vírus, já viviam assim e só perceberam quando cobriram a boca com uma máscara para sair à rua. A nova vida ensinou que o que vivíamos não era o certo, que nada daquilo que se queria realmente tinha tanto valor, sem amor, sem afeto, afago, carinho, sem família ou amigos. Uma renovação aconteceu, por fora e por dentro, fomos testados, desafiados e vencemos. Alguns foram atingidos com mais força do que outros, cada um sente de uma maneira e tem uma história única, mas vencemos e vamos fazer as coisas diferentes depois dessa dura lição.

É hora de reiniciar, aproveitar a chance que nem todos tiveram, temos um novo mundo e uma nova vida, corra, respire, suspire, caminhe, plante hoje para colher no amanhã, mas tudo bem se você não colher, porque você pode plantar outra vez. A vida é feita de tentativas e erros, tropece, erga-se e caminhe em frente sem medo. Não se prenda ao medo de dar errado, de não ser o melhor, o primeiro, o mais rico, o mais bem sucedido, não se importe com o que irão pensar sobre você. As pessoas que realmente se importam sempre vão glorificar seus feitos, afinal já te viram dar os primeiros passos e aplaudiram, sorriram ao te ver ficar em pé e ao pronunciar as suas primeiras palavras, orgulharam-se dos seus rabiscos coloridos em um papel e guardaram por décadas teus desenhos pré-escolares, viram andar de bicicleta sem as rodinhas, acharam graça de te ver com o uniforme da escola como se você estivesse indo para a copa do mundo. Estes sim são os que importam, os que te amam e sempre irão amar, os que sempre estiveram perto, os que te ampararam em qualquer hipótese. Valoriza tua família, abraça teus pais, converse com seus avós, é uma dádiva tê-los por perto ainda, quem não os tem entende muito bem sobre isso. Se você tiver filhos, de tempo a eles, brinque, passeie, fique em silêncio, abrace e beije, diga que ama. Um dia você será o pai ou a mãe que esperam por uma ligação, uma visita, uma mensagem. Dê tempo para você e dê tempo para você com sua família, eles são a tua base, eles são os responsáveis pelo que tu tem e pelo que és.

Viva o necessário, amanhã só a Deus pertence e dessa vida, desse mundo cheio de periféricos, parafusos, parafernálias, acessórios, maquiagens, ações, cartões, talões, veículos, cama box, aparelhos, ferramentas, “IFONES”, ”IPODES”, “PODECASTS”, microondas, bens, só o que se leva são os bens amados, são os abraços, as lágrimas, os corações tocados, os desejos realizados e beijos dados. Enche teu coração de amor e enche os corações de amor a tua volta. Seja feliz hoje e agradeça por isso, amanhã se conseguir faça outra vez. Seja grato todos os dias.

Edição de : @lidsliro

 

domingo, 24 de maio de 2020

Sobre homens e cavalos.


Esta história se passa no interior do Estado do Rio Grande do Sul, na fronteira do Uruguai, não saberei precisar a localidade, mas tentarei descrever com o máximo de detalhes para que possam “ver” com clareza as belezas deste lugar.

Tão longe quanto a vista poderia vislumbrar um por de sol avermelhado, com toques de laranja e amarelo, as nuvens escorriam pelo céu e estacionavam ali circundando o astro rei que se escondia lentamente atrás de um morro. Havia uma enorme figueira frondosa copada em forma de cogumelo, suas raízes enormes se espalhavam pelo chão erguendo pedras e criando brotos. Sentado abaixo dela, em um banco de madeira, curvado para frente, escorando um dos braços cansados do serviço diário em uma das pernas, estava um homem de aparência cansada. Suas vestes surradas de serviços esgotantes, era um trabalhador rural, domador de cavalos. Este serviço esgota e cobra na carne de quem o toma por profissão. Suas botas de cano alto na cor marrom, completamente empoeiradas e com barro no solado, nos calcanhares suas esporas longas no papagaio com rosetas pequenas. Sua bombacha fora um dia da cor marrom clara, hoje já está desbotada após tanta exposição ao sol, surrada de esfregar cordas  e entre as pernas o tecido já desgastado de tanto montar em cavalos (ou como se fala por lá: sovar o lombo). Uma camisa dobrada nas mangas na cor bege, um lenço curto na cor vermelha amarrado no pescoço, na cabeça nada além de seus cabelos pretos e lisos cortados baixos e curtos em um estilo militar. É claro que um homem do campo deve usar um chapéu, mas nesta hora depois de estafante dia, tomado de suor e poeira, seu chapéu estava repousando ao solo junto de um relho. O homem com uma aparência cansada, pensativo admira o pôr do sol, solitário neste lugar tão distante onde habita. O sopro do vento na copa das árvores, o relincho dos cavalos ao longe e o canto de uma cotovia são as vozes que lhe fazem companhia, além é claro de seu chimarrão indispensável. Consome esta bebida que acalma junto ao crepúsculo, alimentando seu espírito e trazendo conselhos de muita sabedoria.


 Rompendo o silêncio da localidade, o homem ouve ao longe patas de cavalo em disparada. Ergue sua cabeça, atenta os ouvidos, cada vez mais próximo esta, fica em pé e olha aos lados, na sua esquerda um galpão feito de madeira e telhado com capim, que lhe serve como morada, a sua frente baias de cavalos, na direita um descampado, onde o sol acaba de se esconder e seus poucos raios insistem em brilhar, o céu já não tão rubro, mas um tom de azul marinho vai se estendendo ao encontro do preto do céu da noite criando um degrade de cores que enfeitiça o olhar. Olha atentamente para trás de onde pode ouvir com clareza as patas de cavalo, que antes eram distantes, agora já bem próximas. Ouve galhos quebrando e folhas sendo pisoteadas no interior da mata, fica um pouco apreensivo e ansioso. Leva a mão na faca que esta em sua cintura, como quem se prepara para uma luta, retira um tanto da bainha, seu semblante se fecha e chega a apertar os dentes. Cada vez mais próximo o barulho amplificado pela acústica da mata, as folhas caem das árvores, os pássaros que já se aninhavam para esperar a noite acabam por voar assustados com a surpresa.


Em pé, com o olhar fixo para dentro da mata, ele é surpreendido pela pintura de cavalo que sai de lá. É uma égua jovem, de pelagem baia ruana (pelagem creme amarelada, com brilho e bastante variações, com a cauda e a crina claras). Sua crina dourada escorrida pelo pescoço delgado, suas patas fortes a empurravam para a frente, arrancando pasto e terra do chão. Seguiu em sua direção, vinha em fuga. Ele permaneceu firme e estático impressionado pela beleza do animal enquanto ela diminuiu a velocidade. Afinal, também estava espantada com o homem e naquele instante parou arrastando as patas traseiras e erguendo terra do chão. Estava tão próxima do humano que respingou barro em seu rosto, mas ele nem piscava. A égua parada, ofegante, suada, com os olhos bem abertos, grelados como se estivesse assombrada, claramente assustada.


Agora que está bem próxima é  possível ver marcas profundas em suas patas traseiras e pescoço, provavelmente feitas por cordas. Em suas patas dianteiras marcas de cortes, estas se alinham com outras no peito, talvez tenha violado alguma cerca no caminho, concluiu o homem. Ele estático olhando para ela, seus braços ao longo do corpo quase que imóvel, ela também com olhos fixos nele, ofegante. Ainda é possível ver em seus flancos o abrir e fechar dos pulmões, suas patas inquietas para cima e para baixo, parece que quer sair em disparada, mas não pode, fica no mesmo lugar. Ele ergue sua mão direita que antes segurava o cabo da faca, leva a palma ao encontro do rosto da égua, seu movimento é lento para que ela não se assuste, mesmo assim ela reage. “Calma!” diz o homem, ela olha, cheira fazendo um ruído com as narinas, ele permanece com a mão erguida tentando ainda o contato. Ela aceita. Quando a mão toca a fronte ambos se acalmam. Ele inicia um afago de leve no rosto do animal, é possível ver suas orelhas virando cada uma pra um lado, buscando algum perigo, aos poucos elas param e se voltam na direção do homem. Agora, com a mão esquerda, ele afaga o pescoço, ela encosta a cabeça em seu peito, ficam em silêncio trocam gestos sem que possam conversar. O lugar todo se acalma, os pássaros tomam a seus ninhos para o repouso da noite que já cobriu o céu. Aos poucos, um cativa o outro.

Passaram-se horas do encontro, o homem se pergunta o que teria acontecido, por que ela estaria tão assustada, por certo alguém lhe havia feito muito mal. Certamente ela não iria lhe contar os detalhes de seus medos, não é de sua natureza falar, ele teria que notar aos poucos nos detalhes. Colocou em um recipiente de madeira um pouco de comida, em um balde ofereceu-lhe água. Ela aceitou, parecia faminta. Indicou onde poderia repousar. Após se alimentar e beber, deitou e adormeceu, sentia-se segura finalmente. O homem recolheu seus pertences que estavam próximo à árvore e se foi para cama repousar, ainda pensado no acontecido, mas sem respostas todavia.

No dia seguinte, bem cedo, nem o sol havia saído, ele já estava pronto. Chimarrão na mão, foi ver como a égua estava. Ainda repousava, também pudera, possivelmente tivera uma viagem longa e visivelmente sofrida. O homem ficou quieto admirando o animal, tão belo seu pelo, crina, a força das patas feridas longas e finas, seu corpo cansado e machucado. Ela notou sua presença, abriu os olhos e se ergueu rápida como um raio. Voltou ao estado da noite anterior, agitada, ofegante, bufando e marcando passo forte no chão. O homem soltou seu chimarrão e caminhou até ela lentamente repetindo: “Calma, calma...”. Erguendo a mão direita, levando em direção da fronte mais uma vez, ela analisou a mão e a cheirou, em seguida aceitou o carinho. Ele então foi curar seu ferimentos. É preciso limpar bem um machucado de corda, ele queima e corta. Eram profundos também os machucados do peito e das patas. Limpou muito bem com água e sabão, depois aplicou uma pomada, por sorte não necessitavam de sutura. “O que terá acontecido contigo?” perguntou-se o homem, talvez esperando uma resposta da potranca.

Seguiu seus afazeres, que eram muitos, pois vivia e trabalhava sozinho. Precisava soltar os cavalos, buscar lenha, água, preparar comida, limpar recintos de animais, etc. No final do dia, a égua - que passou todo o tempo na cocheira repousando - já estava bem. Agora calma, olhava atentamente os movimentos que o homem fazia. Ele preparava um chimarrão, enquanto arrumava um lugar para sentar. De frente para a cocheira da nova amiga, deu de mão em seu violão e iniciou uma canção melancólica. Ela ficou atenta do início ao fim.

Ao raiar do dia seguinte, resolveu  tirar a égua da cocheira. Um animal tão grande não pode ficar sempre preso em local assim, deve ter um momento pra se rolar na grama, tirar o sal do pelo, correr um pouco. É, seria bom para ela. Pegou uma corda e foi ao encontro dela, abriu a portinhola da cocheira e entrou. Ela já não tinha mais receio do amigo humano, mas de cordas sim. Quando notou em sua mão o instrumento de contenção, ergueu-se nas patas traseiras e com uma das dianteiras derrubou o homem. A porta da cocheira aberta serviu para sua fuga desesperada, galopou em direção a porteira e de um salto voou sobre ela, foi em direção a mata mais uma vez, por onde veio, se foi.

Ele um pouco zonzo ainda do golpe que recebera, caído ao solo, ergue os olhos e vê a égua baia distante com a crina ao vento e a poeira que deixou no ar. Passou uma água no rosto, bateu a poeira da roupa e sentou para recuperar os sentidos. Pensativo, inquieto, um tanto descontente, passou o dia. Já era meia tarde quando decidiu embrenhar-se no mato e procurá-la, queria saber melhor, entender o que estava acontecendo, precisava disso. Ele sempre fora  tão habilidoso com os cavalos, como podia ter sido tão descuidado. Pegou seu chapéu e seguindo o rastro deixado pela égua, andou por horas. Passou por córregos, por relvas, subiu e desceu morros, assim como ela também fez.

Já ia caindo o sol quando ao longe ele pode ver dois pontos dourados. “É ela!" Foi caminhando lentamente ao encontro. Quando se aproximava conseguiu notar que ela estava feliz. Brincava, não era mais aquela fera arredia, ao invés de ofegante e sapateando estava agora dando pulos, sacudindo a cabeça e se erguendo nas patas traseiras, mas não para agredir, sim para brincar. Próxima a ela estava uma potra, pequena e desengonçada ainda, com suas patas finas e compridas, a crina dourada como a da mãe e seu pelo também era semelhante, só um pouco mais avermelhado. O homem sentou-se em silêncio e ficou por admirar a cena tão bela que seus olhos ali contemplavam.

Ele a tratou bem, curou suas feridas, alimentou, fez companhia, não podia entender o motivo pelo qual ela fugiu. Ela temia mais uma vez ser contida, agora era possível ver tudo o que a égua desejava era estar próxima de sua cria.

Passaram-se alguns minutos. Quando ela percebeu a presença indesejada, ergueu a cabeça na direção do intruso. Ele ficou quieto, enquanto ela vinha enfurecida em sua direção, bufando e pisando firme, soltando as patas traseiras em coices no ar. Chegou perto do homem sentado e o encarou, não queria estar outra vez em uma cocheira, não queria ser domesticada e menos ainda ver sua cria nessas condições. Talvez ela tenha pensado isso, mas nunca saberemos. Ele na calma de sua existência disse: “-Calma ruana, tu é égua livre, nem todo cuidado do mundo é capaz de te prender, cordas não te fazem bem, tu vieste até mim num momento de precisão, te ajudei, alimentei, dei de beber, curei tuas feridas e despertei outras quando tentei te colocar por cordas. Tu me cativaste pela beleza que possui, força que demonstra, contudo não pode ser minha e agora admiro mais ainda a tua liberdade, este ser selvagem que és, segue tua vida." Dito isto, ergueu-se, virando as costas, iniciando o caminho contrário que lhe trouxe até ali, acenou com o chapéu e retornou para seu lar.

A vida seguiu como tinha de ser. Cada um em seu mundo, às vezes junto à figueira contemplando o pôr do sol entra em devaneios e volta no dia em que teve aquele marcante encontro, lembra da alegria da égua e sua cria brincando livres em sua natureza primitiva. E ela, às vezes, ainda galopa com sua cria próximo daquele lugar, como se procurasse o amigo.

É preciso compreender que existem criaturas que são livres, não se sentem bem com amarras, por mais que se tente explicar isso com palavras ou mostrar com atitudes ou gestos, torna-se impossível. O que é livre deve permanecer assim, cada ser dotado de suas qualidades e propriedades únicas, com seus anseios e objetivos, todos com seu lugar no universo e com singular existência. Não se pode prender o que não quer ficar preso, a vontade deve ser maior do que qualquer amarra, assim são os homens e também os cavalos.

Edição: Lidiane Rodrigues medium.com/@lidsliro




sexta-feira, 22 de maio de 2020

Cadê a tampa do meu pote?

Um armário, um balcão pia, três gavetas e duas portas, lá dentro potes de diferentes tamanhos, formatos, cores, detalhes, jeitos e utilidades. Recipientes vazios quando nascem, mas que um dia irão armazenar alguma coisa, afinal serão preenchidos e precisarão de uma tampa.  
Ah... As tampas! As malditas tampas que insistem em sumir misteriosamente de dentro dos armários da cozinha (por obra do acaso, destino, divindade cósmica, espíritos, buracos negros ou alguma coisa do tipo). Sabe-se apenas que elas somem, desaparecem, evaporam ou se decompõem. Esse mistério é muito antigo, vem dos avós de nossos avós, passou por nossas mães e há centenas de anos assombra as casas pelo mundo todo. 
Quem sabe um dia veremos uma matéria sobre o assunto no Globo Repórter, imagino a voz do Sergio Chapelin narrando a chamada “Hoje, no Globo Repórter, as tampas dos potes, para onde vão? Por que desaparecem?”. 
Lembro quando era criança da minha mãe desesperada procurando as tampas dos potes, revirando armários, arrastando móveis, era uma verdadeira guerra. Ah... E quando emprestava um pote para uma visita levar uma fatia de bolo ou a sobra de uma comida, anos depois a pessoa voltava para devolver, mas com a triste notícia: “Perdi a tampa do teu pote...”. Até hoje fico me perguntando quantas amizades foram desfeitas por este fato? No filme, MINHA MÃE É UMA PEÇA 2, tem uma cena que representa muito bem o que acabei de contar. A personagem Dona Herminia (interpretada pelo ator Paulo Gustavo) discute com a irmã que veio devolver um pote “Cadê tampa do meu pote, Ieza? ”. Se ainda não viram, fica a dica para assistirem, pois esta cena é maravilhosa e muito ilustrativa da vida real. 
Mas, por que falei de potes e tampas até agora?! Acredito que a maioria de vocês devem estar se perguntando, não é mesmo? Essa saga da busca pela tampa do pote é uma ótima comparação com os relacionamentos que buscamos ao longo da nossa vida. De que forma isso é possível, você me pergunta? É muito simples. Somos potes. Cada um com sua tampa, assim como aquela história da metade da laranja, chinelo velho pra um pé torto, etc. Estes comparativos correspondem ao nosso oposto complementar, mas Deus me livre de ser um chinelo velho ou um pé torto. Então, por isso vamos focar na ideia do pote e sua tampa. A tampa serve para auxiliar o pote a completar sua missão de vida, que é armazenar com segurança alguma coisa, vedar, proteger. Sobrou um pouco de arroz na panela, coloca num pote com tampa que vai pra geladeira e pronto, certo? Certo. Mas, ops! Cadê a tampa deste bendito pote? Procura direito, deve estar aí dentro do armário, procura atrás daquela panela, dentro de outro pote, olha na geladeira, olha embaixo do armário, em algum lugar deve estar. Não encontrou? Pega outra tampa, uma que encaixe mais ou menos. Bom, pode ser que seja pequena de mais, que não vede, que deixe espaços e fique caindo pra dentro. Ah... Testa outra tampa então, mas esta é muito grande, o vento pode fazê-la voar. Pera aí, encontrou uma que parece perfeita, mas precisa apertar um pouco o pote, precisa ceder pra que encaixe e, se movimentar muito rápido ou apertar com força, a tampa solta. Realmente, encontrar a tampa perfeita não é tão simples assim. 
Enfim, amigos, tentei fazer uma analogia da vida, dos relacionamentos, da convivência humana com estes termos que sempre ouvimos dizer: tampa da panela, metade da laranja, chinelo e pé. Mas na vida, ninguém é perfeito pra ninguém, não somos seres inanimados como estes objetos que listei, todos temos defeitos ao olharmos de perto. Por isso precisamos notar que cada ser é único em sua singularidade é dotado de qualidades aparentes e valores, e não somente de defeitos. Quando encontramos alguém que nos cativa, estamos voltados para as suas qualidades, afinal são elas que nos cativam, mas no dia a dia tudo isto pode mudar, e por determinados momentos esquecemos destas tantas qualidades e nos focamos com as coisas ruins que ainda não conhecíamos, deixando de lado tudo o que era bom. 
Uma verdade seja dita então: não existe tampa perfeita e tão pouco você precisa de uma. Uma tampa pode servir apenas para te limitar, pra abafar, pra cobrir seu interior, pra ofuscar o que você armazena, pra esconder as coisas boas que traz dentro de si. Talvez a melhor tampa pra você seja aquela que te desafia a ser melhor, a evoluir, a transbordar a centelha de luz que você carrega, ela pode ser diferentes em vários aspectos, mas se tem valores semelhantes, vale a pena ter por perto. Existem sim essas pessoas que nos fazem bem, que são capazes de compartilhar de nossa convivência e enxergar dentro do pote tudo de bom que carregamos e que estará disposta a crescer, incentivar e dialogar. 
Lembram do texto sobre Dependência emocional que escrevi esses dias, se não leu ainda, volta e lê. Se leu, pode reler. Bem, você não precisa de uma tampa, tão pouco é esse pé torto precisando de um chinelo. Você é tudo o que precisa ser e conviver contigo é uma dádiva. Lembre-se de olhar o bom de quem esta ao seu lado e que você também tem seu lado bom. E que as diferenças ou defeitos são possibilidades de evolução. 
PS.: Se você não acredita em nada do que escrevi aqui, peço desculpas, opiniões são particulares e únicas, segue procurando a tua tampa perfeita. Mas minha dica é: vive a vida como um ser perfeito e completo, seja feliz consigo mesmo que logo ali na frente alguém será feliz contigo também. O amor, o cuidado e atenção são os melhores encaixes.  

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Dependência Emocional


Alguns aspectos sobre dependência emocional.
A dependência emocional se manifesta por meio de padrões de comportamento, pela dificuldade para tomar decisões sozinho, por não conseguir dizer não, por não discordar das pessoas por medo de ser rejeitado, por se colocar sempre em segundo plano ou por fazer tudo pelos outros com o objetivo de sempre manter a pessoa por perto, alimentando a dependência. Além disso, também faz parte dessa situação a incapacidade de se sentir bem sozinho, o ciúme exagerado e exigência de atenção exclusiva do parceiro, a falta de interesse por outras amizades ou relacionamentos, a incapacidade de planos pessoais que não envolvam a outra pessoa, a insegurança no relacionamento e o hábito de ser possessivo e controlador e não reconhece o seu valor, sempre dividindo o mérito de suas conquistas com a outra pessoa. Se você vive assim ou se reconheceu em algum aspecto: parabéns. Você é um dependente emocional.
Vivi em uma “busca implacável” a vida toda, exatamente como no filme, aquele do Lean Neeson, pois é, ele destrói metade de um país pra salvar a filha sequestrada, depois a ex-mulher e, por fim, até ele mesmo precisa ser resgatado. Olha, que baita analogia essa, hein. Nesse contexto, notei algo errado, tudo bem que demorei 32 anos pra isso, mas após pensar muito, cheguei a essa conclusão. Busquei tanto, mas tanto, mas muito mesmo, exatamente como a música do Frejat “procuro um amor que seja bom pra mim, vou procurar, eu vou até o fim...”. Sabe é aquele clipe que o cara faz umas máquinas voadoras pra ir até a lua, chega lá e se dá conta que não estava lá o seu amor. Daí olha pra Terra e, mais uma vez, acredita que agora sim vai encontrar e faz todo o plano pra voltar. Puxa, você não viu o clipe?! Sério?!  Procura aí, é ótimo – Segredos, Frejat –. Bem, eu construí minha própria máquina voadora e fiz essa busca, mas me perdi, tropecei, sofri, fiz sofrer, entrei em desespero, corri atrás e nessa jornada conclui algumas coisinhas. Enfim, não precisamos de ninguém pra ser parceiro, pra cuidar da gente, pra fazer companhia, pra ser amigo, pra compartilhar alegria ou pra nos amar. Por favor, não me julguem mal, não sou um antirrelacionamento. O que quero dizer é que essa pessoa aí, que cuida, que dá carinho, que alimenta e que apóia incondicionalmente chama-se mãe. Obviamente, ninguém quer ser sozinho no mundo, não fomos feitos pra vivermos só, já que vivemos em comunidade desde que o mundo é mundo. A união afetiva é algo comum pra nossa espécie, porém o que quero dizer em primeiro lugar é que precisamos de nós. Isso, nós mesmos, o eu antes do nós, o indivíduo dentro de uma relação. É preciso amar, cuidar, aprimorar, conhecer, viver, respirar, suspirar, correr, pular, dançar. Nossa, quantos verbos e eles estão todos no infinitivo, viram? Permitem infinitas possibilidades para que cada ser único descubra o valor da sua essência pra que esta possa ser dividida posteriormente com alguém especial. Como é possível conviver com alguém de forma sadia e eficaz sem que antes saibamos quem somos e o que queremos?  Como dar amor se antes disso não nos amarmos e ainda por cima não soubermos como queremos receber esse amor. Um ser que se julga incompleto acaba por contentar-se com o pouco que recebe e deixa o outro comandar sua vida e dizer como vai ser tudo sem nem questionar. Desse modo, mostramos a forma errada de como alguém deve se relacionar conosco e quando menos se espera lá se vai outra pessoa da sua vida e assim vamos enchendo um baú com memórias e fotos velhas.
Nessa “busca implacável”, lembra que me referi ao filme lá no começo do texto, busca a filha, a ex-mulher e depois ele acaba se salvando também? Então, o personagem deveria ter se salvo primeiro, se encontrado, se reconstruído, pra depois poder salvar os outros. Não, não é egoísmo, é sanidade. Afinal, ninguém pode salvar outra pessoa se estiver se afogando. 

Aprenda, pense, valorize-se, comente assim vai saber quem é, o que quer e não aceitará menos do que merece. Seja feliz, seja a razão de sua felicidade, seja sua melhor companhia.
Reescreva-se, republique-se, reinvente-se...
Me despeço de vocês com um pensamento de Ludmila Maciel, “Navegue dentro do seu interior, busque o auto-conhecimento, a verdade, compreenda cada atitude, cada sentimento... Desprenda-se do que te faz mal, assim poderás se aproximar de sua plenitude.”
 

Edição: Lidiane Rodrigues medium.com/@lidsliro